Pessoas obcecadas por exercícios podem ser vítimas de um transtorno conhecido como vigorexia (27/2/2012)
No
começo, a estudante Pamela (nome fictício) ia à academia três vezes por
semana. Depois, começou a freqüentar a academia cinco vezes por semana,
duas vezes por dia. Comprou pesos e equipamentos e decorou a sequência
de exercícios para repetir tudo também no domingo, quando a academia
estava fechada. Quando a moça começou a acordar de madrugada para correr
antes de malhar, a mãe desconfiou que alguma coisa estava errada. Ao
conversar com profissionais de Educação Física, ela descobriu que a
filha poderia ser uma vítima de vigorexia, um transtorno de
comportamento que ocorre quando o volume e a intensidade da prática de
exercícios físicos excedem a capacidade de recuperação da pessoa. O
problema geralmente está associado a uma auto-imagem distorcida, ou
seja, a pessoa nunca está satisfeita com a própria aparência.
O professor Raymundo Pires [CREF 001340-G/PR], do
curso de Educação Física da Unopar, já viu vários casos semelhantes ao
de Pamela. "O exercício físico depende muito da maneira como a pessoa se
vê; normalmente quem sofre de vigorexia tem um apelo estético muito
grande. Dificilmente quem está focado na saúde acaba viciado em
exercício", explica Pires.
Já se
sabe que a prática de exercício físico estimula a produção de algumas
substâncias, como a endorfina, que produzem uma sensação de bem-estar.
Pesquisas recentes mostram que essas substâncias também produzem
euforia, melhoram a memória, o bom humor, aumentam a resistência,
aliviam dores e têm efeito antienvelhecimento. "É normal a gente sentir
falta do exercício quando está habituado a ter alguma atividade física.
Isso não significa que a pessoa está viciada em exercício. O problema
começa quando o exercício se transforma em uma obsessão", pondera o
professor.
Pessoas
como Pamela não podem ficar nem um dia sem se exercitar e se sentem
culpadas se, por qualquer motivo, seu rendimento físico diminui. "Outros
hormônios (as catecolaminas) que são estimulantes podem se tornar
estressantes quando a pessoa ultrapassa seus limites físicos", alerta
Pires.
A primeira prejudicada é a saúde
Quando
a atividade física deixa de estar focada no bem estar e no prazer e se
transforma em obsessão, a primeira prejudicada é a saúde. "Qualquer
profissional da área de Educação Física conhece bem o conceito de
dose-resposta. Para entender isso pense no exercício como se fosse um
medicamento, um antibiótico, por exemplo. Ele deve ser tomado em uma
dose e num intervalo de tempo especificados para que o efeito seja o
melhor. Se você aumentar aleatoriamente a dose ou diminuir o intervalo
da medicação, ela não vai ter um efeito maior nem melhor. Ao contrário, o
efeito não será aquele desejado. Isso também funciona para o exercício
físico. Existe uma dose ideal em que a resposta é altamente positiva; se
a dose for menor ou maior, a resposta não será tão boa", indica o
professor. Embora a dose varie de pessoa para pessoa, existem padrões
pré-definidos por idade, peso e sexo.
Às
vezes, o exercício que pode melhorar a saúde também pode acabar com ela.
O professor Pires já viu casos de pessoas que adoeceram por causa da
vigorexia. "Uma mulher ficou tão obcecada em perder peso que entrou numa
maratona absurda de exercícios, sem cuidar da dieta. Ficou anoréxica e
não se recuperou mais", lembra.
A
vigorexia é considerada um transtorno obsessivo-compulsivo e
dificilmente as pessoas afetadas por esse comportamento conseguem
admitir que precisam de ajuda. Alguns sinais podem servir de alerta para
amigos e familiares:
· Preocupação excessiva com a aparência
· Insatisfação constante e auto-imagem distorcida (a pessoa sempre quer emagrecer mais, ficar mais forte, mais musculosa...)
· Fixação no desempenho físico (quantos kms correu, quantos metros nadou, quanto peso levantou...)
· A pessoa se sente culpada se deixa de se exercitar ou se o desempenho físico diminui
· Exercício físico se torna o assunto principal nas conversas
· A pessoa começa a trocar programas de lazer por exercícios programados
· Restrições severas na dieta
· Falta de sono, irritabilidade, falta de concentração
Atletas não servem de exemplo
Para
as pessoas que têm na atividade física uma profissão ou um objetivo
definido, os limites são diferentes. Os atletas trabalham focados em
alvos – campeonatos, torneios, jogos, competições, e sempre têm uma
equipe de profissionais que os acompanham. Eles se exercitam com
planejamento, sob supervisão e têm metas para alcançar. Por isso não
servem de parâmetro para as outras pessoas, que buscam a atividade
física para melhorar a qualidade de vida. Para elas, o professor Pires
tem uma dica simples que pode servir de limite: "O exercício físico
precisa dar prazer. A atividade física deve estar focada na saúde. Se
ela começar a se tornar obsessiva e trouxer culpa e cobrança, é sinal de
doença".